As crianças na publicidade
É preciso debater e deixar claras leis e regras na publicidade infantil. O Estatuto da Criança e do Adolescente existe e entidades como o Conar precisam estar atentos às abordagens da comunicação, quando falamos desse público que está em pleno desenvolvimento e formação do próprio intelecto.
As crianças são muito vulneráveis a mensagens de apelo mercadológico que podem ser nocivas, visto que ainda não tem condições de tomadas de decisão. Por isso é importante ter regras quando falamos de publicidade direcionada às crianças.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) uma pessoa é considerada criança com até doze anos incompletos. E dos 12 aos 18 anos completos, já é considerada adolescente. Portanto, qualquer comunicação direcionada ao público de 0 a 12 anos está na categoria de publicidade infantil.
A partir de um estudo da Kids Corp., kidtech especializada no segmento infantil, vamos colocar aqui um resumo de um guia para entendermos as fases de uma criança em relação às decisões de compras.
Primeiro Estágio (zero aos três anos de idade) - Fase em que 100% das decisões são tomadas por pais ou outros adultos.
Pré-escolares (4 a 6 anos de idade) - Fase em que os primeiros gostos estão sendo desenvolvidos, portanto as crianças já têm influência em algumas decisões domésticas: 45% influenciam na assinatura de serviços de streamings e 50% interferem na compra de alimentos ou bebidas.
Terceiro Estágio (de 7 a 9 anos de idade) – Fase em que as suas decisões de consumo são ainda maiores: 53% influenciam nas escolhas de alimentos e bebidas e 20% afirmam que já recebem um dinheiro próprio para comprar. 55% passa boa parte do tempo com brinquedos.
Pré-adolescentes (de 11 a 13 anos de idade) – Fase em que já demonstram rejeições por marcas infantis e tem seus gostos influenciados por amigos, youtubers e gamers. 82% consomem vídeos do YouTube, 71% jogam videogame e 53% assistem a algum conteúdo no streaming.
Mas como é caracterizada a publicidade infantil?
A publicidade infantil é uma mensagem mercadológica que tem como característica um apelo para que a criança consuma algum tipo de produto e serviço em qualquer meio (TV, revistas, redes sociais, plataformas, cinema, mídia out-of-home). Nessas mensagens, geralmente, utiliza-se cores e trilhas sonoras chamativas, personagens, celebridades, Youtubers.
Mas vamos falar das regras brasileiras quanto a este tema. Há muita polêmica e debate na indústria da comunicação. O Código de Defesa do Consumidor, de 1990, diz que “a publicidade dirigida a crianças se aproveita da deficiência de julgamento e experiência desse público”. Direcionar essa prática a esse público, portanto, seria abusiva e ilegal. Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) responsabiliza a família, a comunidade, a sociedade e o Estado pelo bem-estar e saudável desenvolvimento da infância e da juventude. Já o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) trata do tema em seu Artigo 37, que considera: “Os esforços de pais, educadores, autoridades e da comunidade devem encontrar na publicidade fator coadjuvante na formação de cidadãos responsáveis e consumidores conscientes. Diante de tal perspectiva, nenhum anúncio dirigirá apelo imperativo de consumo diretamente à criança”.
Mas vamos ver agora o que é vetado pelo Conar:
- anúncios que desmereçam valores sociais positivos (amizade, urbanidade, honestidade, justiça, generosidade e respeito a pessoas, animais e ao meio ambiente).
- anúncios que provoquem qualquer tipo de discriminação.
- anúncios que associem crianças e adolescentes a situações incompatíveis com sua condição.
- anúncios que imponham a noção de que o consumo do produto proporcione superioridade ou, na sua falta, a inferioridade.
- anúncios que provoquem situações de constrangimento aos pais ou responsáveis, com o propósito de impingir o consumo.
- anúncios que usem crianças e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participação deles nas demonstrações pertinentes de serviço ou produto.
- anúncios que utilizem formato jornalístico, a fim de evitar que anúncio seja confundido com notícia.
- anúncios que apregoem que produto destinado ao consumo por crianças e adolescentes contenha características peculiares que, em verdade, são encontradas em todos os similares.
- anúncios que utilizem situações de pressão psicológica ou violência que sejam capazes de infundir medo.
Importante: o código de autorregulamentação ainda aponta o dedo para ações que utilizem crianças, quaisquer elementos do universo infantil que tenha a finalidade de captar a atenção desse público. Além disso, a publicidade de produtos e serviços destinados exclusivamente para crianças, só pode ser veiculada nos intervalos e espaços comerciais. E este código ainda diz que crianças e adolescentes não deverão figurar como modelos publicitários em anúncio que promova o consumo de bens e serviços que não sejam do seu universo – armas de fogo, bebidas alcoólicas, cigarros, fogos de artifício, loterias e afins.
Quais são as práticas abusivas da publicidade infantil?
Práticas abusivas da publicidade infantil estão na resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda): “considera-se abusiva, em razão da política nacional de atendimento da criança e do adolescente, a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança, com intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviços”. Alguns aspectos em relação a essa resolução são: uso de linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores; trilhas sonoras cantadas por vozes de criança; pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil; promoção com distribuição de prêmios ou brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil.
Mas muitos anunciantes reclamam, alegando que é um grande número de restrições, o que prejudica muitos negócios.
Também atua nesse assunto, o Instituto Alana que criou o Programa Criança e Consumo - plataforma que orienta a sociedade sobre a importância de preservar as crianças dos apelos mercadológicos para a formação de uma sociedade menos consumista.
Mas quais são as boas práticas nessa publicidade ainda agora em que as crianças estão diante de vários canais, sendo que antes era somente a TV aberta?
Grandes players da tecnologia estão voltando a sua atenção ao tema desse conteúdo publicitário. Em 2021, o Google, junto com o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), lançou um manual de orientações para criadores de conteúdo, anunciantes e agências a respeito da publicidade infantil. Esse conteúdo foi definido com a participação do Ministério Público do Estado de São Paulo. No guia, o Google diz que, ao elaborar uma publicidade direcionada ao público infantil, é importante lembrar da condição da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, além de cuidar da sua segurança, preservação de identidade e proteção de dados pessoais.
Outra questão importante a ser abordada são os produtos licenciados. 80% dos produtos licenciados no Brasil são para crianças (dado de 2017), estes provenientes do sucesso de filmes, séries e animações, o que estimula a compra através da criança.
Para finalizar, todas essas questões não geram um consenso na indústria da comunicação. O importante é refletir, debater e pensar em como conversar com o público infantil sem atuar negativamente seu desenvolvimento e suas escolhas.